Ao mesmo tempo que Sebastião da Gama partilhava a sua descoberta da Arrábida e a sua construção da “serra-mãe” com quem lhe era próximo, corria na sua imaginação o título do que viria a ser o seu primeiro livro — é de 1943 um caderno manuscrito, em cuja capa escreveu Serra-Mãi - Versos de Sebastião da Gama, datando a sua conclusão de 18 de Outubro desse ano. Constituído por 34 poemas, escritos entre 1942 e 1943, este conjunto viria a ficar de parte, pois nenhum deles integrou o livro Serra-Mãe publicado em 1945 — sete destes poemas viriam a ser publicados pelo autor na imprensa periódica (recurso que usou intensamente), em títulos como Turismo, Gazeta do Sul, Jornal de Sintra e O Castelovidense; um integrou a obra póstuma Itinerário Paralelo (1967) e outro foi inserido no volume Cartas - I, que Joana Luísa da Gama organizou e publicou em 1994; os restantes só foram publicados no volume de poesia reunida O Inquieto Verbo do Mar, em 2024, ano do centenário do nascimento do poeta.
Existe um segundo conjunto de poemas sob o título Serra-Mãe integrando um dossiê de dactiloscritos, em cuja capa está registado Sebastião da Gama - Serra-Mãi - Cópia dos originais feita por Elisabeth Lindley Cintra (1942-1944). Sabendo-se da boa relação entre Sebastião da Gama e os irmãos Lindley Cintra — Luís Filipe (1925-1991), Elisabeth (1926-2019) e Graziela (1932-2006) —, não admira esta partilha de poemas, conferindo-lhes mesmo o estatuto de primeiros leitores. Este segundo conjunto não repete poemas do anterior, sendo constituído por 68 poemas, dos quais 37 vieram a integrar o livro Serra-Mãe (1945), 29 foram incluídos na obra póstuma Itinerário Paralelo (1967) e 2 ficaram inéditos.
Se pensarmos que Serra-Mãe é construído sobre 62 poemas, podemos considerar o trabalho de selecção e de organização que Sebastião da Gama exerceu na construção do seu primeiro livro, uma tarefa que ele próprio reconheceu e assumiu em diversas ocasiões, como ficou registado numa carta que dirigiu a Joana Luísa, em Setembro de 1944, ao dizer “Quando olho para a Serra-Mãe, vejo 75% do que lá está coisa reles; e até me dá vontade de a queimar. Preciso de chicotadas; de alguém, de um público”, ou, como confessou a Taborda de Vasconcelos, em carta de Dezembro de 1946, um ano depois de o livro ter sido publicado, quando este lhe pediu colaboração poética para o jornal Correio do Minho: “Não gosto de publicar demais. A não ser que escolha entre os 120 poemas que rejeitei para a elaboração da Serra-Mãi dois ou três menos detestáveis. Desde que levem a data, não me importo de publicá-los.”
Foi neste contexto de preparação do livro e de criteriosa escolha que Sebastião da Gama deu os seus originais a ler a vários amigos, depois de os ter partilhado com Joana Luísa — além de Luís Filipe Lindley Cintra, Matilde Rosa Araújo foi outra confidente da construção do livro, como podemos ler na carta que do Portinho da Arrábida lhe foi dirigida, em 25 de Julho de 1945, referindo-se à edição: “Falei já com o Cintra sobre a coisa e em Agosto vou ver o que poderei fazer: não sei ainda se o livro estará maduro; e vai custar-me a arrumação dos poemas. Manda-me dizer o teu conselho sempre bem-vindo.” O entusiasmo era crescente, pois havia já mesmo a promessa de uma editora — nessa mesma carta para Matilde Rosa Araújo, mas com a data de 23 de Julho, Sebastião da Gama explicava: “Ora escuta: ‘Portugália Editora’ prometeu-me publicar o meu livro. Estão aqui o Pedro de Andrade e a mulher, que são as pessoas mais amáveis deste mundo.”
A promessa parecia ser consistente, já que vinha de Pedro de Andrade, sócio e gerente da Portugália Editora, naquela altura em visita à Estalagem pertença dos pais de Sebastião da Gama, no Portinho. Do dia seguinte, 26 de Julho, é um curtíssimo poema intitulado “Instante”, mais parecendo um desabafo para uma página de diário: “’Mãe! / vou publicar o meu primeiro livro...’ // (A minha Mãe não chorou, / nem eu chorei, também.)”
O entusiasmo da promessa do editor esfriou dois meses depois, quando o poeta azeitonense recebeu uma carta de Pedro de Andrade, datada de 24 de Outubro, a contrariar a promessa feita: “Recebi o orçamento para o seu livro, que aqui junto. Depois de falar com os meus sócios sobre a possibilidade da edição, comunico-lhe com desgosto que, neste momento, à Portugália não interessam as publicações que não estejam integradas no nosso Plano. Temos o encargo de cerca de uma centena de originais por imprimir, e que já pagámos aos autores e tradutores, não sabendo ainda como lhes poderemos dar vazão. Como vê, o meu Amigo veio numa oportunidade de muitos trabalhos, que nem nos permite o prazer de lançar um jovem poeta e amigo, que nos merece toda a simpatia e apreço.”
* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1660, 2025-12-10, pg. 10.
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